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Brisa (Versão Digital)

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Átila e seu irmão Francisco alimentavam desde criança o sonho de se tornarem cantores famosos e com o sucesso melhorar as condições de vida de seus pais.

Até que uma fatalidade mudou completamente a vida deles. Um acidente automobilístico interrompeu a vida de seus pais e deixou Francisco paralítico e muitas seqüelas. Com medo de enfrentar a realidade Francisco arquiteta um plano diabólico e conta com o apoio do irmão, que mesmo contrariado cede.

A carreira fica ameaçada e ele acaba sendo preso. Entra numa crise psicológica. Então é hora de voltar às origens e neste processo de retrocesso e reencontro a igrejinha onde fora batizado se torna sua referência e a grande luz que vai resgatá-lo para a vida.

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Capítulo I

 

A chuva fina caía silenciosamente sobre a vegetação esparsa que encobria parcialmente o chão do cemitério onde jaziam os falecidos de Colorado, cidade metropolitana situada na região sudeste do Brasil. O tom cinzento produzido pela neblina deixara a tarde mais fúnebre ainda.

Os poucos presentes, provavelmente familiares e amigos do falecido, se protegiam sob o tecido armado dos seus guarda-chuvas enquanto ouviam a pregação do sacerdote naquele momento único da despedida final.

Oito pessoas, incluindo o reverendo, formavam a assembleia que participava da cerimônia fúnebre. O sacerdote leu o texto da Bíblia 2 Coríntios 5, 1-10: “Sabemos, com efeito, que ao se desfazer a tenda que habitamos neste mundo, recebemos uma casa preparada por Deus e não por mãos humanas, uma habitação eterna no céu. E por isto suspiramos e anelamos ser sobrevestidos da nossa habitação celeste, contanto que sejamos achados vestidos e não despidos. Pois, enquanto permanecemos nesta tenda, gememos oprimidos: desejamos ser não despojados, mas revestidos com uma veste nova por cima da outra, de modo que o que há de mortal em nós seja absorvido pela vida. aquele que nos formou para este destino é Deus mesmo, que nos deu por penhor o seu Espírito. Por isso, estamos sempre cheios de confiança. Sabemos que todo o tempo que passamos no corpo é um exílio longe do Senhor. Andamos na fé e não na visão. Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar junto do Senhor. É também por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-lhe. Porque teremos de comparecer diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo.”

Ao término das palavras proferidas pelo padre, os agentes da funerária realizaram a operação final depositando o corpo desfalecido na catacumba, sob os olhares dos presentes que formaram um semicírculo ao redor do jazigo.

Ao centro, um jovem aparentando ter trinta e oito anos de idade, pele morena e cabelos negros, se destacava por sua postura altiva que ostentava poder e irreverência. Sobressaía-se entre os demais pela alta estatura e pelo estilo imperativo. De seu olhar emanava uma tristeza profunda que incomodava.

Alguns passos atrás, dois homens um pouco mais baixos, porém com mais massa muscular, guarneciam sua retaguarda, indicando serem seus seguranças.

Encerrado o ritual mórbido, o jovem afastou-se do sepulcro e caminhou no sentido central do cemitério, perpassando os mausoléus, adentrando em direção a um arbusto frondoso que parecia uma figueira.

Afastou-se uns cem metros do túmulo onde foi sepultado o falecido, sempre seguido à distância pelos dois guardiões que pararam e ficaram observando de longe.

O jovem aproximou-se da grande árvore e sentou-se no banco de madeira sob a chuva fina. Ali ficou a pensar nos últimos acontecimentos, lamentando aquela morte.

– O que será de mim, meu Deus, sem ele? Estou perdido! O que será da minha carreira? – Lastimava preocupado com seu futuro.

A chuva não cessava e o jovem permanecia sentado se protegendo embaixo de seu guarda-chuva.

– O que será de mim agora, meu Pai do Céu? Não vou suportar mais este golpe? – indagava cheio de lamúria. – Por que me castiga tanto assim?

– Ânimo filho, Coragem! Erga a cabeça! Confie em Deus, Ele não abandona seus filhos! – uma voz calma e serena surgiu de repente do nada, despertando Átila.

O jovem levantou a cabeça e direcionou seu olhar ao seu interlocutor, pensando que fosse um de seus poucos amigos, mas se surpreendeu ao avistar aquele que falava com voz mansa e firme, não o reconhecendo. A princípio parecia uma pessoa familiar, mas observando atentamente comprovou que não era alguém de seu convívio. Pela aparência deduziu que fosse um pastor. Era um senhor que aparentava ser bem idoso e trajava uma camisa clara, calça e sapatos pretos numa combinação simplória. Portava em suas mãos um pequeno livro.

Bastante inquieto e perturbado com a presença daquele ancião não identificado perguntou:

– Quem é você? O que quer? – Suas interrogações revelavam sua irritação por estar sendo incomodado.

Em resposta, o ancião abriu o livro e proferiu as seguintes palavras: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais. E vós conheceis o caminho para ir aonde vou. Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho? Jesus lhe respondeu: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. Se me conhecêsseis, também certamente conheceríeis meu Pai; desde agora já o conheceis, pois o tendes visto.” (João 14, 1-6)

Ao final da leitura depositou o livro sobre a lápide próxima ao banco, retirando-se em seguida sem se despedir.

O céu se abriu e a chuva parou de cair, permitindo que o sol irradiasse no horizonte, matizando a vegetação com um tom brilhante e avermelhado e reluzindo nas gotas cristalinas que se formavam nas folhas. Os raios que penetravam as folhagens dos arvoredos desenhavam figuras exóticas e indescritíveis no chão. A combinação de sombra e luz formava imagens misteriosas e intrigantes.

O guarda-chuva de Átila estava pendurado no encosto do banco de madeira e ele deitado sobre o assento. Os guarda-costas perceberam que o patrão adormecera no banco, aproximaram-se e o chamaram.

– Átila, Átila!!! – Não sendo atendidos eles tocaram no corpo dele para despertá-lo. – Átila! Você dormiu!

– Nossa! Acabei dormindo. – Disse levantando meio desconsertado e esfregando os olhos com o dorso das mãos.

– O cansaço tomou conta de você – comentou um dos guarda-costas.

– Há quanto tempo estou aqui? – Perguntou olhando no relógio e depois para o céu – parou até de chover!

– O senhor estava bem cansado mesmo, passou a noite toda no velório sem dormir – justificou o segundo segurança.

– Cadê o senhor que estava aqui? – Perguntou Átila arrancando dos seguranças olhares de surpresa.

– Não vimos ninguém aqui, patrão – olharam de esguelha um para o outro demonstrando preocupação.

– Ele estava conversando comigo e eu acabei dormindo… – murmurou Átila com a voz desfalecida pela incerteza do que acontecera. – Acho que devo ter sonhado.

– Ficamos o tempo todo aqui perto e não vimos ninguém se aproximar do senhor, Átila, não é Adão? – falou um dos seguranças olhando para o companheiro que sustentou sua afirmativa.

– Verdade, Marcos – confirmou o segurança acrescentando – Até as pessoas que estavam na cerimônia foram embora assim que você veio para cá.

– Vejo que dormi profundamente – concluiu.

– Você tem levado um ritmo muito acelerado nos últimos dias, perdendo noites de sono – fez uma pequena pausa. – Não há corpo que resiste ao cansaço por muito tempo sem dormir – explicou Marcos mostrando que suas habilidades iam além das técnicas de defesa pessoal.

– Você tem razão, meu caro – concordou Átila, prosseguindo enquanto voltava seu olhar para o céu colorido – pressinto que esta jornada está chegando ao fim.

Um silêncio profundo tomou conta do ambiente, parecendo que tudo ao redor tivesse se calado. Até mesmo a respiração deles foi interrompida. Átila quebrou o silencio inquietante fazendo uma observação.

– Minha mãe dizia que este é o sol das almas e traz mensagem do céu – comentou.

De repente o vento começou a soprar forte e o sol foi engolido pelas nuvens negras que se formaram instantaneamente, antecipando o anoitecer. O vento estava tão violento que uivava contra as lápides das catacumbas, sacudindo as folhagens das árvores; atiçando folhas, pedaços de galhos e outros destroços. Uma folha de papel branco, de uma alvura impressionante e intacta parou nos pés do jovem que atraído por sua brancura abaixou-se e recolheu-a. Ao pegar a folha se surpreendeu ainda mais ao ver que havia um texto manuscrito e passou a ler avidamente.

Seu espanto aumentava à medida que devorava a escrita constatando que a mensagem era a mesma que o ancião fizera, inclusive a mesma referência bíblica. Sentiu um calafrio subindo na espinha dorsal.

Neste momento as nuvens foram se movimentando e o sol desaparecera por completo, dando espaço a um denso véu escuro que cobria todo o horizonte. Repentinamente voltou a chover.

Átila abriu seu guarda-chuva e cobriu-se. Ficou fitando aquele pequeno pedaço de papel e depois o guardou no bolso de seu terno azul marinho. Por alguns segundos ficou paralisado e pensativo com a brusca mudança meteorológica. Estava um pouco perturbado.

Foi despertado pela voz de um de seus seguranças alertando que iria chover forte e sugerindo que fossem embora.

– Vai cair uma torrente de água! Vamos sair rápido daqui.

– Vamos! – concordou Átila vistoriando todo o ambiente ao seu redor na expectativa de ver algum rosto conhecido, mas só avistou bem longínquo, por trás das lápides o vulto que provavelmente seria do coveiro. Aguçou bem seus olhos para aumentar o alcance de sua visão, mas nada avistou.

Dirigiram-se para o estacionamento e antes de chegar ao carro a chuva engrossou. Apressaram os passos, mas não chegaram a tempo e a chuva molhou os sapatos negros brilhantes e as barras das calças de Átila e dos seus seguranças.

– Para aonde vai, senhor? – perguntou o motorista que os aguardava no carro.

– Vou para casa – respondeu Átila, sem fazer comentários.

Ano

2010

Autor

JB Barone

Formato

E-book